Conforme
já havíamos anunciado em nosso blog, já
era esperado o dia em que as empresas que possuem operações de comércio
eletrônico precisariam se adequar a novos direitos garantidos aos consumidores.
No entanto, é
preciso deixar clara uma diferença fundamental neste cenário: Decreto não é Lei!
Conforme inciso
II do Art. 5º da Constituição Federal: “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.
Desta forma, somente a lei pode inovar o Direito, ou seja, criar, extinguir ou
modificar direitos e obrigações. Ao Decreto resta a função de regulamentar a
lei, ou seja, definir as minúcias necessárias de pontos específicos, de forma a
padronizar e viabilizar o cumprimento da lei sem, contudo, contrariar qualquer
disposição.
Assim, quando há
um ano anunciamos que os consumidores estavam próximos de adquirir novos
direitos aplicáveis às contratações eletrônicas, fundamentamos nosso
posicionamento na análise do Projeto de Lei nº. 281/2012 do Senado Federal,
elaborado pela Comissão Temporária de Modernização do Código de Defesa do
Consumidor, grupo de renomados juristas e especialistas na área, cujo conteúdo
era muito mais abrangente do que o atual Decreto nº. 7.962/2013.
Entretanto,
pode-se dizer que agiu bem o Poder Executivo ao criar o referido Decreto, uma
vez que identificou que em grande parte do texto do PL 281/2012 haviam disposições
que não configuravam “novos direitos e
obrigações”, mas sim tratavam-se regulamentação adicional de direitos e
obrigações já previstos há mais de 20 anos no Código de Defesa do Consumidor
(Lei nº. 8.072/1990), como por exemplo os direitos à informação e ao
arrependimento.
Em comparação com o Projeto de Lei 281/2012 do Senado
Federal, deixaram de ser tratados pelo Decreto 7.962/2013 importantes questões pertinentes
ao comércio eletrônico, tais como a proibição do envio de mensagens não
autorizadas (spams), o tratamento dos dados pessoais dos consumidores, a
liberdade de escolha frente a novas tecnologias, a competência e a legislação
aplicáveis no caso de fornecimento à distancia e internacional, as cláusulas de
eleição de foro e de arbitragem, entre outras.
Com efeito, a
análise do Decreto 7.962/2013 demonstra que o Poder Executivou pautou sua
abrangência em três tópicos principais, quais sejam:
1-
Informações claras a respeito do produto, serviço e do
fornecedor;
2-
Atendimento facilitado ao consumidor; e
3-
Respeito ao direito de arrependimento.
Direito à informação adequada e clara:
No que tange ao já
existente direito de informação dos consumidores, considerando a dificuldade
que os consumidores encontram ao tentar localizar a empresa física por trás do
site de comércio eletrônico, a regulamentação buscou esclarecer quais
informações o fornecedor que atua no comércio eletrônico deve informar. São
elas:
1-
Nome empresarial e número de inscrição no Ministério da
Fazenda (CNPJ / CPF);
2-
Endereço físico e eletrônico e demais informações de sua
localização;
3-
Características essenciais do produto ou serviço;
4-
Discriminação do preço e de quaisquer despesas adicionais a
este;
5-
Condições integrais da oferta como, por exemplo, modalidade
de pagamento;
6-
Informações claras e precisas a respeito de quaisquer
restrições (ex: prazo).
Merece destaque
a criação de um artigo que não encontra disposição semelhante no PL 281/2012, que
detalha ainda mais as informações que devem ser prestadas pelo fornecedor
quando o comércio for realizado através de sites de “compra coletiva ou modalidades análogas”. Para esta modalidade de
negócio, que possui condições diferenciadas de comercialização, devem ser
fornecidas informações adicionais, tais como:
1-
Quantidade mínima de consumidores para a efetivação do
contrato;
2-
Prazo para a utilização da oferta pelo consumidor;
3-
Identificação do fornecedor responsável pelo site e do
fornecedor do produto ou serviço ofertado.
Atendimento facilitado ao consumidor
Outra inovação parcial do Decreto 7.962/2013 foi a inclusão, em um mesmo artigo, das previsões referentes ao fornecimento do contrato ao consumidor e à manutenção de serviço de atendimento pós-venda, tratados separadamente no PL 281/2012.
Com
significativa melhora na redação, o Decreto 7.962/2013 deixou claro que o
fornecedor deve proporcionar ao consumidor o acesso ao sumário do contrato
antes da contratação, bem como ferramentas para auxiliar nos casos de erros
ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação. Após a
contratação, o contrato deverá ser disponibilizado em meio que permita a sua
conservação e reprodução.
Já no tocante à
garantia de um atendimento facilitado ao consumidor, o fornecedor deverá manter
serviço de atendimento ao consumidor adequado, eficaz e em meio eletrônico,
sendo que deverá confirmar imediatamente quando receber uma demanda do
consumidor e manifestar-se no prazo de cinco dias.
Este talvez seja
um ponto que poderia ter sido melhor elaborado caso tivessem sido ouvidas as
sugestões das empresas que atuam no setor, haja vista que a prática demonstra,
por exemplo, que o prazo de cinco dias precise de uma hipótese de prorrogação
para os casos em que o consumidor não fornecer as informações necessárias à
solução de sua demanda.
Direito de Arrependimento
Considerado o
ponto mais polêmico do Decreto, também teria uma redação mais adequada se
fossem consideradas todas as sugestões que já haviam sido apresentadas nas
discussões do PL 241/2012.
O principal
questionamento que se faz é desconsideração de que no comércio eletrônico há
produtos e serviços cujo consumo imediato, conhecidos como virtual gods e que, por sua natureza, deveriam ter sido excluídos
do direito de arrependimento do consumidor.
Assim como
adotado no Parlamento Europeu na Diretiva 97/7/CE de 20.05.97, o Decreto
7.962/2013 poderia ter criado um rol de exceções onde o consumidor não poderia
exercer o direito de arrependimento, como no caso de prestação de serviços cuja
execução já tenha se iniciado, fornecimento de gravações de áudio e vídeo, de
discos e de programas informáticos a que o consumidor tenha violado a
embalagem, jornais, revistas, entre outros.
Ora, com razão
reclamam os fornecedores, haja vista que o direito de arrependimento foi criado
para o consumidor que comprou fora do estabelecimento comercial e não teve a
oportunidade de analisar o produto, ou seja, para aquele que se tivesse tido acesso prévio
ao bem, não o compraria. Mas esse preceito não pode ser confundido como um
direito garantido ao consumidor que comprou um filme, assistiu-o e depois
resolveu devolvê-lo por não ter gostado.
Portanto, o
direito de arrependimento deveria restringir-se aos fatos em que a falta
estrita do contato físico com o produto tenha sido determinante para a
realização ou não da compra.
Uma previsão
interessante contida no PL 241/2012 e que não foi utilizada pelo Decreto
9.762/2013 foi a definição do conceito de “contratação à distância”,
considerando assim aquela que é efetivada fora do estabelecimento, ou sem a
presença física simultânea do consumidor e do fornecedor, especialmente em
domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar.
Ademais, duas
outras questões que não foram tratadas pelo referido Decreto são a forma pela
qual se procederá à devolução dos produtos pelo consumidor e os procedimentos
de reembolso, caso algum valor já tenha sido pago.
Em relação à
devolução dos produtos, o que mais se discute é a responsabilidade pelo
pagamento dos custos de tal devolução. Considerando que, ao contrário da compra
feita por telefone, o comércio online permite ao consumidor obter um número até
maior de informações a respeito do produto ou serviço que pretende contratar, o
mais justo é que o consumidor arque com os custos da devolução, do mesmo modo
que faz quando, no “mundo físico”,
precisa se deslocar para uma loja para trocar ou devolver um produto.
Assim, os custos
com a logística reversa, como prerrogativas para o exercício de um direito do
consumidor, por ele deveriam ser arcados e não pelo fornecedor, como se fossem
riscos atinente ao negócio.
Já o reembolso
dos valores pagos deverá aguardar o recebimento, pelo fornecedor, do produto
devolvido e, além disso, a confirmação de que referido produto não foi violado,
consumido ou danificado.
Uma vez
verificado que o produto está em perfeitas condições e apto a ser colocado
novamente à venda, compete ao fornecedor apenas a prova da comunicação do
arrependimento do consumidor à instituição financeira ou operadora de cartão de
crédito e a estas resta o dever de efetuar o reembolso.
Conclusão
Em resumo,
considerando que no Congresso Nacional tramitam hoje 596 projetos de lei que
propõem mudanças no Código de Defesa do Consumidor e o tempo exigido para
conclusão do processo legislativo do melhor deles, o PL 281/2012, podemos
considerar acertada a opção do Executivo em regulamentar por Decreto questões
que não ensejariam a criação, extinção
ou modificação de direitos e obrigações.
Todavia, muito
embora tenha conseguido um trâmite mais célere, com significativas melhorias no
texto original do PL 281/2012, o Decreto 7.962/2013 certamente precisará ser
complementado por novas normas, de modo a afastar questões duvidosas como o
direito de arrependimento de bens de consumo imediato.
Por outro lado, o
PL 281/2012 deverá seguir seu trâmite, excluídas as questões já regulamentadas
pelo Decreto 7.962/2013, porém buscando a participação de todas as partes
envolvidas, como nas discussões realizadas em audiências públicas com órgãos de
defesa do consumidor, representantes da iniciativa privada e demais interessados,
para alcançar um texto mais adequado ao comércio eletrônico.
Por fim,
voltamos a repetir a recomendação dada no artigo anterior. Seja por
determinação de lei ou por decreto, o certo é que agora as empresas que atuam
com comércio online precisarão rever sua forma de trabalho, adequar seus
processos às novas formas de exercício dos direitos de informação, atendimento
e arrependimento dos consumidores e continuar atentas às novas mudanças que
estão por vir e poderão ser sancionadas a qualquer momento.
O conteúdo
integral do Decreto 7.962/2013 pode ser acessado pelo link abaixo: