quinta-feira, 16 de maio de 2013

COMÉRCIO ELETRÔNICO - NOVOS DIREITOS PARA O CONSUMIDOR?


Conforme já havíamos anunciado em nosso blog, já era esperado o dia em que as empresas que possuem operações de comércio eletrônico precisariam se adequar a novos direitos garantidos aos consumidores.

 Os jornais anunciam que este dia chegou, tendo em vista que no dia 14 de maio de 2013, entrou em vigor o Decreto nº. 7.962, de 15 de março de 2013, elaborado pelo Poder Executivo com o objetivo de regulamentar o Código de Defesa do Consumidor em relação ao comércio de produtos e serviços realizados de forma eletrônica.

No entanto, é preciso deixar clara uma diferença fundamental neste cenário: Decreto não é Lei!

Conforme inciso II do Art. 5º da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”. Desta forma, somente a lei pode inovar o Direito, ou seja, criar, extinguir ou modificar direitos e obrigações. Ao Decreto resta a função de regulamentar a lei, ou seja, definir as minúcias necessárias de pontos específicos, de forma a padronizar e viabilizar o cumprimento da lei sem, contudo, contrariar qualquer disposição.

Assim, quando há um ano anunciamos que os consumidores estavam próximos de adquirir novos direitos aplicáveis às contratações eletrônicas, fundamentamos nosso posicionamento na análise do Projeto de Lei nº. 281/2012 do Senado Federal, elaborado pela Comissão Temporária de Modernização do Código de Defesa do Consumidor, grupo de renomados juristas e especialistas na área, cujo conteúdo era muito mais abrangente do que o atual Decreto nº. 7.962/2013.

Entretanto, pode-se dizer que agiu bem o Poder Executivo ao criar o referido Decreto, uma vez que identificou que em grande parte do texto do PL 281/2012 haviam disposições que não configuravam “novos direitos e obrigações”, mas sim tratavam-se regulamentação adicional de direitos e obrigações já previstos há mais de 20 anos no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.072/1990), como por exemplo os direitos à informação e ao arrependimento.

Em comparação com o Projeto de Lei 281/2012 do Senado Federal, deixaram de ser tratados pelo Decreto 7.962/2013 importantes questões pertinentes ao comércio eletrônico, tais como a proibição do envio de mensagens não autorizadas (spams), o tratamento dos dados pessoais dos consumidores, a liberdade de escolha frente a novas tecnologias, a competência e a legislação aplicáveis no caso de fornecimento à distancia e internacional, as cláusulas de eleição de foro e de arbitragem, entre outras.

Com efeito, a análise do Decreto 7.962/2013 demonstra que o Poder Executivou pautou sua abrangência em três tópicos principais, quais sejam:

1-      Informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor;

2-      Atendimento facilitado ao consumidor; e

3-      Respeito ao direito de arrependimento.
 
Direito à informação adequada e clara:

 
No que tange ao já existente direito de informação dos consumidores, considerando a dificuldade que os consumidores encontram ao tentar localizar a empresa física por trás do site de comércio eletrônico, a regulamentação buscou esclarecer quais informações o fornecedor que atua no comércio eletrônico deve informar. São elas:

1-      Nome empresarial e número de inscrição no Ministério da Fazenda (CNPJ / CPF);

2-      Endereço físico e eletrônico e demais informações de sua localização;

3-      Características essenciais do produto ou serviço;

4-      Discriminação do preço e de quaisquer despesas adicionais a este;

5-      Condições integrais da oferta como, por exemplo, modalidade de pagamento;

6-      Informações claras e precisas a respeito de quaisquer restrições (ex: prazo).

 
Sites de compras coletivas

Merece destaque a criação de um artigo que não encontra disposição semelhante no PL 281/2012, que detalha ainda mais as informações que devem ser prestadas pelo fornecedor quando o comércio for realizado através de sites de “compra coletiva ou modalidades análogas”. Para esta modalidade de negócio, que possui condições diferenciadas de comercialização, devem ser fornecidas informações adicionais, tais como:

1-      Quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato;

2-      Prazo para a utilização da oferta pelo consumidor;

3-      Identificação do fornecedor responsável pelo site e do fornecedor do produto ou serviço ofertado.

Atendimento facilitado ao consumidor

Outra inovação parcial do Decreto 7.962/2013 foi a inclusão, em um mesmo artigo, das previsões referentes ao fornecimento do contrato ao consumidor e à manutenção de serviço de atendimento pós-venda, tratados separadamente no PL 281/2012.

Com significativa melhora na redação, o Decreto 7.962/2013 deixou claro que o fornecedor deve proporcionar ao consumidor o acesso ao sumário do contrato antes da contratação, bem como ferramentas para auxiliar nos casos de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação. Após a contratação, o contrato deverá ser disponibilizado em meio que permita a sua conservação e reprodução.

Já no tocante à garantia de um atendimento facilitado ao consumidor, o fornecedor deverá manter serviço de atendimento ao consumidor adequado, eficaz e em meio eletrônico, sendo que deverá confirmar imediatamente quando receber uma demanda do consumidor e manifestar-se no prazo de cinco dias.

Este talvez seja um ponto que poderia ter sido melhor elaborado caso tivessem sido ouvidas as sugestões das empresas que atuam no setor, haja vista que a prática demonstra, por exemplo, que o prazo de cinco dias precise de uma hipótese de prorrogação para os casos em que o consumidor não fornecer as informações necessárias à solução de sua demanda.


Direito de Arrependimento

Considerado o ponto mais polêmico do Decreto, também teria uma redação mais adequada se fossem consideradas todas as sugestões que já haviam sido apresentadas nas discussões do PL 241/2012.

O principal questionamento que se faz é desconsideração de que no comércio eletrônico há produtos e serviços cujo consumo imediato, conhecidos como virtual gods e que, por sua natureza, deveriam ter sido excluídos do direito de arrependimento do consumidor.

Assim como adotado no Parlamento Europeu na Diretiva 97/7/CE de 20.05.97, o Decreto 7.962/2013 poderia ter criado um rol de exceções onde o consumidor não poderia exercer o direito de arrependimento, como no caso de prestação de serviços cuja execução já tenha se iniciado, fornecimento de gravações de áudio e vídeo, de discos e de programas informáticos a que o consumidor tenha violado a embalagem, jornais, revistas, entre outros.

Ora, com razão reclamam os fornecedores, haja vista que o direito de arrependimento foi criado para o consumidor que comprou fora do estabelecimento comercial e não teve a oportunidade de analisar o produto, ou seja,  para aquele que se tivesse tido acesso prévio ao bem, não o compraria. Mas esse preceito não pode ser confundido como um direito garantido ao consumidor que comprou um filme, assistiu-o e depois resolveu devolvê-lo por não ter gostado.

Portanto, o direito de arrependimento deveria restringir-se aos fatos em que a falta estrita do contato físico com o produto tenha sido determinante para a realização ou não da compra.

Uma previsão interessante contida no PL 241/2012 e que não foi utilizada pelo Decreto 9.762/2013 foi a definição do conceito de “contratação à distância”, considerando assim aquela que é efetivada fora do estabelecimento, ou sem a presença física simultânea do consumidor e do fornecedor, especialmente em domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar.

Ademais, duas outras questões que não foram tratadas pelo referido Decreto são a forma pela qual se procederá à devolução dos produtos pelo consumidor e os procedimentos de reembolso, caso algum valor já tenha sido pago.

Em relação à devolução dos produtos, o que mais se discute é a responsabilidade pelo pagamento dos custos de tal devolução. Considerando que, ao contrário da compra feita por telefone, o comércio online permite ao consumidor obter um número até maior de informações a respeito do produto ou serviço que pretende contratar, o mais justo é que o consumidor arque com os custos da devolução, do mesmo modo que faz quando, no “mundo físico”, precisa se deslocar para uma loja para trocar ou devolver um produto.

Assim, os custos com a logística reversa, como prerrogativas para o exercício de um direito do consumidor, por ele deveriam ser arcados e não pelo fornecedor, como se fossem riscos atinente ao negócio.

Já o reembolso dos valores pagos deverá aguardar o recebimento, pelo fornecedor, do produto devolvido e, além disso, a confirmação de que referido produto não foi violado, consumido ou danificado.

Uma vez verificado que o produto está em perfeitas condições e apto a ser colocado novamente à venda, compete ao fornecedor apenas a prova da comunicação do arrependimento do consumidor à instituição financeira ou operadora de cartão de crédito e a estas resta o dever de efetuar o reembolso.

Conclusão

Em resumo, considerando que no Congresso Nacional tramitam hoje 596 projetos de lei que propõem mudanças no Código de Defesa do Consumidor e o tempo exigido para conclusão do processo legislativo do melhor deles, o PL 281/2012, podemos considerar acertada a opção do Executivo em regulamentar por Decreto questões que não ensejariam  a criação, extinção ou modificação de direitos e obrigações.

Todavia, muito embora tenha conseguido um trâmite mais célere, com significativas melhorias no texto original do PL 281/2012, o Decreto 7.962/2013 certamente precisará ser complementado por novas normas, de modo a afastar questões duvidosas como o direito de arrependimento de bens de consumo imediato.

Por outro lado, o PL 281/2012 deverá seguir seu trâmite, excluídas as questões já regulamentadas pelo Decreto 7.962/2013, porém buscando a participação de todas as partes envolvidas, como nas discussões realizadas em audiências públicas com órgãos de defesa do consumidor, representantes da iniciativa privada e demais interessados, para alcançar um texto mais adequado ao comércio eletrônico.

Por fim, voltamos a repetir a recomendação dada no artigo anterior. Seja por determinação de lei ou por decreto, o certo é que agora as empresas que atuam com comércio online precisarão rever sua forma de trabalho, adequar seus processos às novas formas de exercício dos direitos de informação, atendimento e arrependimento dos consumidores e continuar atentas às novas mudanças que estão por vir e poderão ser sancionadas a qualquer momento.

O conteúdo integral do Decreto 7.962/2013 pode ser acessado pelo link abaixo: