domingo, 31 de janeiro de 2010

Monitoramento de Empregados

MONITORAMENTO DE EMPREGADOS

COMPUTADOR E CONTA DE E-MAIL CORPORATIVA

Atualmente, por menor que seja a empresa, sempre há um ou mais funcionários que exercem a sua atividade com o auxílio de um computador conectado à internet, bem como de uma conta de e-mail corporativa contendo, por exemplo, nomedofuncionário@nomedaempresa.com.br, entre outros equipamentos eletrônicos.

Ocorre que o mau uso dessas ferramentas tem gerado muitos conflitos entre empregados e empregadores.

Isso por que o empregado, que passa a maior parte do dia na empresa, confunde o e-mail corporativo com seu e-mail pessoal e passa, por exemplo, a divulgá-lo para os amigos, cadastrá-lo em promoções, entre outras coisas.

Muitas vezes o empregado passa a receber no e-mail corporativo mensagens com conteúdo manifestamente impróprio, bem como começa a repassá-las para sua lista de contatos, inclusive para e-mails de outros colegas da empresa.

A troca de tais mensagens pelo e-mail corporativo fornecido pela empresa, bem como a navegação em sites da internet, além de aumentarem o risco de contaminação dos equipamentos por vírus, spywares e outros arquivos maliciosos, ainda colocam em risco a confidencialidade de informações importantes para os negócios da empresa, a reputação da empresa que responde pelos atos de seus prepostos e, além de tudo, não se pode esquecer que configura uma grande perda de tempo de trabalho do empregado com assuntos particulares.

Por essas razões, muitos empregadores estão tomando providências no sentido de instalar programas que permitem monitorar o uso de tais ferramentas, verificar todas as mensagens trocadas pelo empregado, rastrear todos os sites que ele acessou e, em alguns casos, chega-se a instalar programas como o VNC que permitem que o empregador tenha em seu monitor uma reprodução online e simultânea do monitor do empregado, e possa ver tudo o que este faz durante a sua jornada de trabalho.

Em grandes empresas, o trabalho de monitoramento compete ao departamento de TI e o problema ocorre quando este descobre mensagens onde, por exemplo, o empregado envia informações comerciais confidenciais para uma empresa concorrente e é demitido por justa causa, nos termos do art. 482 da CLT.

Na maioria das vezes, esse empregado propõe ação na Justiça do Trabalho alegando que sua demissão se deu de forma inconstitucional, posto que fora violado seu direito de privacidade e intimidade no momento em que foi invadida a sua conta de e-mail, mesmo no caso da conta corporativa, fornecida pela empresa.

O ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA

Por algum tempo o entendimento foi o de que realmente tal conduta da empresa configurava uma violação ao direito de privacidade e intimidade do empregado.

Todavia, a Justiça passou a entender que o e-mail corporativo e o computador pertencem à empresa e se tratam de mais uma ferramenta colocada à disposição do empregado, para que o mesmo utilize tão somente para fins de realização da sua atividade, configurando motivo de justa causa o seu uso indevido.

ANALOGIA PARA FACILITAR COMPREENSÃO

Para uma melhor compreensão, podemos fazer uma analogia com o veículo da frota da empresa ou um celular colocado à disposição do empregado para deslocamento ou contato durante a realização de atividades externas.

Não resta dúvida de que o veículo e o celular devem ser utilizados tão somente para o trabalho, configurando violação de conduta se o empregado os utilizar como se seus fossem, por exemplo, usando o veículo para levar parentes ao aeroporto ou utilizando o celular para fazer uma ligação internacional para um amigo.

Ora, a regra que se aplica ao uso de veículos, celulares e de outras ferramentas fornecidas pela empresa ao empregado é a mesma que deve ser aplicada à conta de e-mail corporativo e ao computador, ou seja, o uso indevido pode gerar falta grave, punível inclusive com a demissão por justa causa.

DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PELOS ATOS DO EMPREGADO

Para muitos empresários é desconhecida a responsabilidade da sua empresa pelos atos de seus prepostos.

Todavia, essa responsabilidade é prevista no artigo 932 do Código Civil Brasileiro e, no caso das relações de trabalho, confirmada pela Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, que prevê que tal responsabilidade é presumida, mesmo que o empregado ou preposto tenha agido por culpa, ou seja, sem intenção de causar dano a terceiros.

Assim, por exemplo, se um empregado utiliza o computador da empresa para armazenar ou enviar arquivos com conteúdo pedófilo, a empresa poderá ser responsabilizada pela conduta, posto que presume-se seu consentimento.

O mesmo se aplica para o envio de um e-mail difamatório. A pessoa prejudicada pode tanto acionar judicialmente o empregado que enviou a mensagem, quanto a empresa no qual ele trabalha, caso tenha sido utilizado o e-mail corporativo para seu envio.

Assim, fica claramente demonstrada a importância do monitoramento eletrônico para a segurança da empresa.

CONTA DE E-MAIL PESSOAL

Convém salientar que o mesmo não se aplica ao e-mail pessoal do empregado, ou seja, a empresa não tem o direito de invadir a sua conta de e-mail pessoal para verificar o conteúdo das mensagens que ele recebe ou envia.

Há quem afirme que, se o acesso à conta de e-mail pessoal é realizada no computador da empresa, o empregador teria o direito de verificar tudo o que acontece na máquina, inclusive o conteúdo das mensagens recebidas e enviadas pelo e-mail pessoal do empregado, especialmente para evitar o repasse de informações confidenciais para empresas concorrentes.

Todavia, essa é uma questão mais complicada, uma vez que na caixa de mensagens pessoal do empregado haverá conteúdo de sua intimidade, cujo conhecimento pelo empregador é manifestamente condenável e sua proteção é garantida pelo Art. 5º, X, da Constituição Federal.

SOLUÇÕES

De qualquer forma, a melhor maneira de solucionar o problema é prevenir a ocorrência de tais conflitos, especialmente com a educação dos empregados realizada através de informação clara e adequada fornecida por um regulamento interno, manual ou códigos de conduta, ética, disciplina e confidencialidade, que devem ser entregues ao empregado e coletada sua assinatura na via da empresa, para comprovar a sua inequívoca ciência.

É preciso desenvolver nos funcionários uma ética digital, fazendo-os compreender que o horário de trabalho deve ser dedicado, exclusivamente, à realização das tarefas de sua responsabilidade, bem como que as ferramentas de trabalho fornecidas pela empresa, inclusive o computador e a conta de e-mail corporativa, que devem ser utilizados tão somente para fins laborais, ligados à sua atividade.

Convém deixar extremamente claro em tais códigos ou manuais que haverá o monitoramento dos meios eletrônicos, inclusive alertando que a empresa pode colocar limites ao envio e recebimento de arquivos, que as senhas e códigos de acesso são estritamente confidenciais e que o empregado deve manter sigilo absoluto sobre as informações da empresa.

Importante lembrar que não se deve utilizar modelos antigos de códigos ou manuais, em geral disponíveis na internet, posto que podem estar desatualizados e apresentarem lacunas que geram mais riscos do que prevenção.

Outra conduta aconselhável é a inclusão dessas informações nos rodapés dos e-mails, na página inicial do browser de navegação da internet, nos disclaimers de dispositivos ou softwares e no momento da autenticação na máquina.

Tais avisos devem ser claros e extremamente visíveis, posto que do contrário, o monitoramento pode acabar sendo considerado crime de interceptação, previsto no artigo 10 da Lei 9.296/96, cuja pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.

Por fim, deve-se ter muito cuidado na delegação da atividade de monitoramento de empregados, que deve ser atribuída a uma equipe especializada, treinada e responsável, com suas atribuições definidas em Termo de Responsabilidade, para que seja dado o adequado tratamento às informações captadas, evitando sua divulgação interna ou externa de forma indiscriminada, com identificação do empregado, conteúdos ou conduta, que pode gerar uma grave indenização por danos morais.

RELACIONAMENTO EMPREGADOR x EMPREGADO

Apesar da necessidade de se monitorar os empregados para evitar problemas, não há como se esquecer da necessidade de se manter um bom relacionamento entre empregador e empregado, em especial no que tange à criação de um ambiente de trabalho agradável e à saúde psíquica e mental do trabalhador.

Essa é uma visão moderna da liderança e da gestão de pessoas, uma vez que uma equipe infeliz e desmotivada também traz prejuízos para a empresa.

Para citar um exemplo, é complicada a situação do empregado que está a aguardar, por exemplo, um e-mail do laboratório informando o resultado de seus exames médicos. A apreensão e a angústia ficarão na mente desse empregado durante todo o seu dia de trabalho.

Assim, pode o empregador determinar um determinado horário em que o empregado poderá acessar sua conta de e-mail pessoal, bem como acessar sites da internet para verificação de algum assunto pessoal.

Por outro lado, é importante que o empregado utilize esse horário com parcimônia, evitando abrir arquivos ou executar softwares que possam conter vírus, bem como navegar por sites suspeitos ou de conteúdo impróprio.

OUTROS MONITORAMENTOS

Além do monitoramento do computador da empresa e da conta de e-mail, há outros tipos de controle que podem ser exercidos nos ambientes e ferramentas de uma empresa, como no caso do uso de escutas e gravação de ligações telefônicas, verificação de mensagens sms ou mms de celulares, câmeras nos ambientes de trabalho, GPS nos veículos, entre outros.

Outras condutas também devem ser adotadas para a segurança da informação em relação a empregados de empresas terceirizadas e prestadores de serviço.

Porém, para não tornarmos muito extenso esse artigo, analisaremos em outra oportunidade as demais formas de monitoramento eletrônico das empresas e suas repercussões jurídicas.

Mauro Roberto Martins Junior

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Privacidade e Internet

PRIVACIDADE E A INTERNET


A QUESTÃO

A primeira pergunta que se faz ao pensar em privacidade na internet é: será que ela ainda existe?

A resposta não é simples, uma vez que há uma grande distância entre a teoria e a prática, bem como há argumentos sólidos tanto no sentido de se preservá-la, quanto no sentido de torná-la relativa.

O CONCEITO

Em poucas palavras, pode-se dizer que o direito à privacidade é o direito de “ser deixado em paz”.

Isso se justifica porque, apesar de ser naturalmente sociável, o ser humano tem necessidade de manter certas coisas sob o conhecimento de poucas pessoas ou nenhuma outra, além de si mesmo.

SURGIMENTO DA PRIVACIDADE

O que deu origem ao surgimento do direito à privacidade foram os constantes abusos do Estado sobre os indivíduos, em especial sobre os direitos da personalidade.

Assim, verifica-se que o direito à privacidade é um limite natural ao direito à informação, em especial, do Estado.

TEORIA E PREVISÃO LEGAL

Na teoria, os legisladores brasileiros sempre buscaram garantir o direito à privacidade dos indivíduos, determinando a sua inviolabilidade.

A principal previsão no ordenamento jurídico brasileiro se encontra na Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso X, ao dispor que “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

O Código de Defesa do Consumidor também prevê restrições à criação, manutenção e uso de bancos de dados com informações sobre os consumidores.

REALIDADE FÁTICA

Nos meios comuns, a garantia da privacidade pode ser controlada com certa facilidade, uma vez que é mais fácil identificar qualquer violação a ela impetrada.

Porém, no ambiente virtual criado pela internet, o controle da privacidade das pessoas já se torna bem mais complicado.

Um exemplo disso são os chamados “cookies”, que são programas integrantes de uma página na internet que se instalam ocultamente na máquina do usuário e, como um espião, captam e remetem aos responsáveis pelo site todas as informações de navegação da pessoa.

Hoje em dia, a principal função dos “cookies” é de identificar o potencial de consumo do internauta, especialmente para envio posterior de mensagens de “spam” e de publicidade direcionada.

Para citar um exemplo, se o usuário fizer uma busca por “aparelhos de ginástica”, certamente será alvo, nos dias seguintes, de uma enxurrada de e-mails oferecendo tais produtos.

Essa pode parecer uma violação leve à privacidade das pessoas, mas não se engane quem pensa que essa mesma tecnologia não possa ser utilizada para descobrir outras informações sobre os indivíduos.

Aliás, convém destacar que o envio de “spams” é uma enorme violação ao direito de privacidade das pessoas, haja vista que envia mensagens indesejadas para a caixa de e-mails do usuário, sem que tenha havido prévia solicitação ou relação entre as partes.

Todavia, a pior das violações à privacidade dos internautas é a leitura, por parte dos provedores de serviços de webmail, das mensagens trocadas por seus usuários.

A justificativa dessas empresas é a mesma apresentada para o caso dos “cookies” e “spams”, ou seja, realizar uma análise para apresentar anúncios de texto direcionados e outras informações relacionadas.

DIREITO AO ANONIMATO

Há, porém, que ser considerada a diferença entre o direito à privacidade e a garantia de anonimato na internet.

Isso porque, muito embora previsto constitucionalmente, nenhum direito é absoluto e encontra limites nos demais direitos garantidos em Constituição ou em lei.

Dessa forma, os interesses coletivos devem prevalecer sobre o direito individual de proteção à privacidade, quando houver abuso no exercício desse direito.

Assim, se um usuário utiliza a internet para divulgar imagens de pedofilia, por exemplo, não poderá alegar em sua defesa uma eventual violação de sua privacidade.

Uma investigação que quebrasse o sigilo deste usuário para identificá-lo e provar seus crimes seria legítima, não configurando qualquer violação à sua privacidade. Nesse caso, em função do bem comum, o indivíduo perde o seu direito à privacidade.

Se lembrarmos que até o tão importante direito à liberdade pode ser limitado pelo Estado, concluímos que é evidente que o direito à privacidade também não poderia ser absoluto.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir, portanto, que o direito à privacidade, muito embora esteja previsto constitucionalmente, ainda encontra muita dificuldade para ser efetivamente garantido nos meios virtuais, sendo que o oposto também se afirma, ou seja, o direito à privacidade não pode ser considerado absoluto e pode ser limitado pelo Estado quando demonstrados verdadeiros motivos de abuso do anonimato para violar direitos de outras pessoas.

Em suma, há que se buscar um equilíbrio na proteção e no exercício do direito à privacidade.

Mauro Roberto Martins Junior

domingo, 17 de janeiro de 2010

Soberania e a Internet

SOBERANIA E A INTERNET


A QUESTÃO

Um dos grandes temas enfrentados pelo Direito Digital na atualidade se refere à necessidade de se rever o conceito de Soberania dos Estados, uma vez que a internet não permite a identificação clara das fronteiras entre os países, dificultando a definição das leis que devem ser aplicadas aos conflitos nela ocorridos.

O objetivo desse texto é mostrar que o conceito de Soberania já vem sendo subjulgado a muito tempo e, por esse motivo, não pode ser um entrave para a resolução das lides havidas na internet.

O CONCEITO

Em suma, o conceito de Soberania está ligado ao poder supremo de um Estado para criar e aplicar, nos limites do seu território, as leis que entender necessárias, sem sofrer qualquer interferência externa, seja de outros Estados, sejam de órgãos internacionais.

O CONCEITO SUBJULGADO

Ocorre que a realidade mudou e, com o fenômeno da globalização e a invenção internet, os Estados já não são mais tão independentes como eram antes, bem como os limites da aplicação de suas leis não está tão bem definido.

As fronteiras sempre foram definidas em razão de recursos naturais e da cultura de um povo. Todavia, a internet rompe essas fronteiras, criando um novo território, uma vez que as diferentes culturas estão em constante contato, mesclando suas tradições, inclusive no que diz respeito aos costumes comerciais.

Por essa razão, o conceito de Soberania, historicamente repleto de divergências e alterações, merece mais uma vez ser revisto, para adequar-se à realidade atual, posto que muitos países, entre eles o Brasil, adotam como princípios fundamentais em suas Constituições, a Soberania.

A título de análise histórica, há que se lembrar que a humanidade passou por três grandes revoluções que mudaram as fontes de riqueza. A primeira delas ocorreu quando o homem sentiu a necessidade de deixar de ser nômade e passou a cultivar a terra para sobreviver, tornando a propriedade na principal fonte de poder e riqueza.

Essa idéia de poder deu origem ao primeiro conceito de Soberania.

Em 1648, após a Guerra dos Trinta Anos, foi criado o Tratado de Westfalia, que restabeleceu a paz na Europa e deu início ao reconhecimento da igualdade jurídica dos Estados, que sem sofrer influência de quaisquer outras formas de poder, como o exercido pela igreja, na época, passaram a escolher seus próprios caminhos econômicos, políticos e religiosos.

A partir deste momento, passou-se a adotar o modelo de Soberania Absoluta onde os Estados exerciam um poder supremo dentro de suas fronteiras, onde o controle do território era o elemento mais importante para aumentar o poder nacional. Com a evolução da tecnologia, este controle ficou cada vez mais difícil.

Em 1789, com a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, foram reconhecidas novas características ao conceito de Soberania, quais sejam, a unidade, a indivisibilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade.

Como dissemos anteriormente, o conceito de Soberania nunca foi totalmente unânime e vários autores tentaram alcançar o maior equilíbrio possível entre o que se pretendia estabelecer na teoria e o que é realmente era possível existir na realidade fática.

O Francês Jean Bodin foi o primeiro a estudar o tema e concluiu que a Soberania seria um poder perpétuo e limitado apenas pela Lei Divina e pela Lei Natural, onde o povo se despojaria do seu poder e o tranferia ao governante que, então, obteria o poder divino e, por essa razão, deveria ser respeitado.

Já Thomas Robbes criou o “Pacto de União”, onde os homens renunciariam ao seu poder e o transfeririam ao governante, que seria o responsável pela organização do Estado e criação das regras que deveriam ser obedecidas por todos, sendo que sua teoria atribui ainda mais poder ao governante do que a teoria de Bodin, pois ela derivaria da união do poder de cada cidadão.

Georg Jellinek concluiu que a Soberania também é uma forma de limitação ao poder do próprio Estado, uma vez que após a promulgação de uma Constituição e das leis infraconstitucionais, elas deveriam ser observadas por todos, inclusive pelo Estado que as criou.

Nessa linha, Leon Duguit conseguiu inclusive negar a existência da Soberania, uma vez que concluiu que ou o Estado é Soberano e nada o limita e ele pode, inclusive, esmagar os indivíduos sob seu poder, ou o Estado está submetido a uma regra imperativa, o que o faria deixar de ser soberano.

Assim, como o próprio Estado é quem cria as regras e pode alterá-las quando quiser, Duguit discordava de Jellinek e afirmava que um dever que se cria a si mesmo e do qual se pode fugir a qualquer momento, não é um dever verdadeiro.

Já Hermann Heller compreendeu que a Soberania é a capacidade do Estado de dar a última palavra dentro de seu território, pois monopolizaria o poder de coação física e o poder de decidir os conflitos nele ocorridos.

Heller afirmava que tal capacidade soberana se manifestava, inclusive, quando o Estado assumia obrigações decorrentes de tratados internacionais, uma vez que os Estados teriam o direito de lutar pela sua conservação. Tal teoria apresenta certa contradição ao lembrarmos que após a assinatura de um Tratado Internacional, os Estados signatários não podem simplesmente deixar de cumprir as obrigações assumidas.

Já Hans Kelsen, para quem o sistema jurídico é uno, criou o conceito de Monismo, onde o direito interno e o direito internacional não poderiam ser separados e, em caso de conflito entre si, deveriam prevalecer as normas internacionais.

Há que se ressaltar que Hans Kelsen, por ser um estudioso mais recente, já incorpora ao conceito de Soberania a importância do direito internacional, demonstando a necessidade de se adequar o referido conceito à realidade social.

A TERCERIA REVOLUÇÃO SOCIAL – A INTERNET

Agora, com a terceira revolução social advinda do uso da internet, a principal fonte de riqueza passou a ser a informação, sendo que esta, que antes era monopolizada por uma pequena elite, passou a ser difundida para um número indeterminado de pessoas e os Estados ficaram impedidos de controlar essa troca de experiências, colocando-os em situação de interdependência perante seus cidadãos e os demais Estados.

Internamente, o Estado já não é mais tão soberano porque a tecnologia e a facilidade de obtenção da informação atribuí à população um poder de pressão jamais visto, alterando a fonte das normas, ou seja, ao invés do Estado impor aos cidadãos as leis que entende necessárias, é o povo quem exigo do Estado a criação e aplicação das leis que mais atendem às suas necessidades.

De outro lado, externamente o Estado que pretende acompanhar o desenvolvimento do mundo é obrigado a observar as determinações e orientações dos demais países, em especial dos organismos internacionais.

PROBLEMAS DA APLICAÇÃO DO ANTIGO CONCEITO

É verdade que um Estado ainda pode querer aplicar o antigo conceito de Soberania e tentar controlar a internet e demais meios de comunicação para manter o controle sobre seus indivíduos e não acompanhar as determinações dos órgãos internacionais, porém isso acaba se tornando um suicídio econômico e político, como tem ocorrido recentemente no Irá e na Coréia do Norte.

A primeira derrota sofrida por um país que se fecha à revolução da informação é a perda do seu capital intelectual, uma vez que os estudantes que mais se destacam e cujo potencial de gerar riqueza é mais provável, se mudam para outros países onde são mais bem tratados e sua inteligência pode ser compartilhada de modo a multiplicar-se pelo mundo.

A segunda grande perda advem do fato de que, na atualidade, a rede internacional criada com a internet é o principal meio pelo qual circulam o dinheiro, o capital, parte dos produtos e serviços e do intelecto humano, o que diminui em grande parte a capacidade de comércio dos países mais fechados.

Por fim, a realidade fática demonstra que existe uma grande pressão dos países economicamente mais fortes sobre os mais fracos, que acabam cedendo, seja por receio de um possível embargo ou de uma retaliação econômica.

A mais discreta das retaliações econômicas impostas a um Estado que insiste em não ouvir a comunidade internacional é a diminuição da compra de seus principais produtos de exportação ou o aumento da tributação sobre tais produtos, inviabilizando os negócios entre o país mais fraco, vendedor, e o país mais forte, comprador.

Isso demonstra que hoje em dia, para um país subjulgar o outro, não há a necessidade de invadir o seu território e matar milhares de pessoas, mas tão somente controlar sua economia e cultura através dos meios de comunicação.

Como estamos todos mais acessíveis, acabamos por concorrer às mesmas oportunidades de emprego e de negócios, como se verifica na área empresarial, onde estão ocorrendo diversas operações de fusões, aquisições e alianças estratégicas para concorrer em âmbito internacional, uma vez que se não alcancarem determinado patamar, as empresas pequenas acabarão por serem engolidas pelos grandes conglomerados internacionais.

Hodiernamente, todos concorrem com todos. Um empresa aberta na China, com custos de produção menores, pode determinar a falência de uma empresa do mesmo setor no Brasil, haja vista que além de brigar por clientes no exterior, pode inclusive prejudicar suas vendas internas, em nosso país.

Verifica-se, então, que está ocorrendo uma desconcentração do Poder e os Estados estão encontrando dificuldades de impor sua Soberania sobre a informação, pois ela própria e os caminhos que utiliza são geralmente compartilhados. Não há como só obter informação, sem ser obrigado a fornecer informação.

A estrada da informação é uma via de mão-dupla, da qual os Estados modernos não podem fugir.

Porém, o dilema que se impõem é: Quem controla essa estrada?

RELATIVIZADA A SOBERANIA, QUAL LEI APLICAR?

Superada a análise sobre a necessidade de se relativizar a Soberania dos Estados, há que se estudar como serão resolvidos os conflitos ocorridos na internet, ou seja, qual a legislação que será aplicada.

Se todos os Estados têm que ceder a uma parcela de sua Soberania para poder utilizar a estrada da informação, qual lei se aplicaria aos conflitos decorrentes de acidentes ocorridos nesta estrada?

Há que se lembrar que o principal objetivo da Soberania é garantir ao Estado que será ele quem irá resolver os conflitos existentes em seu território, aplicando as leis do seu ordenamento jurídico.

Qual a legislação que será aplicada em um território neutro ou no qual as fronteiras não são táo bem definidas?

É certo que nos Estados Unidos estão hospedados a maioria dos sites. Porém isso não é suficiente para determinar que a lei americana seja aplicada na maioria dos casos envolvendo internet.

Isso porque a tecnologia permite que uma pessoa do Brasil compre um produto de uma empresa na Suécia através de um site que está apenas hospedado no Estados Unidos, através da terminação “.com”.

A mercadoria não foi entregue. Nesse caso, se aplica a lei brasileira, a sueca ou a americana?

Pela lei brasileira, poderia ser reconhecida a competência do domicílio do Autor pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo a ação tramitar no Brasil e ser aplicada a legislação nacional.

Além disso, o Código Civil Brasileiro, art. 435, reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto, que seria então, nos Estados Unidos.

E, no mesmo diverso, a Lei de Introdução ao Código Civil determina que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente, ou seja, na Suécia.

Então, verifica-se que a própria lei brasileira permite a propositura em da ação judicial em diversos locais, quais sejam, domicilio do autor (Brasil), lugar em que foi proposto o contrato (Estados Unidos) e lugar em que residir o proponente (Suécia.

Ora, se a própria lei brasileira permite tantas interpretações, quantos conflitos não podem ocorrer ao se analisar as legislações dos demais países envolvidos na questão?

A lei sueca poderia ser totalmente diferente e determinar que a competência seja a do domicílio do réu, o que obrigaria o processo a tramitar na Suécia, sob as leis daquele país.

Por outro lado, estando o site hospedado nos Estados Unidos, poderia ser que houvesse uma legislação americana que determinasse que os atos ali praticados são de sua competência.

Portanto, do modo como está, verifica-se que, dependendo do caso, vários ordenamentos jurídicos podem ser aplicados a um mesmo caso, trazendo soluções completamente diferentes ao conflito, o que não atinge o objetivo final do direito que é o de pacificar a sociedade, dando a cada um o que é seu.

DA CRIAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS PARA REGULAR O TEMA

Portanto, reconhecendo que há muito os Estados não são tão soberanos quanto se imaginavam no começo do século XX, esta interdependência deve ser trazida ao âmbito das relações ocorridas na internet, para que ao invés de cada país dar uma solução ao caso, seja elaborado um ou mais tratados internacionais sobre o tema que regulem as diretrizes básicas para normatizar a questão.

Aliás, imaginamos que no futuro não só os casos envolvendo internet, direitos humanos e questões ambientais serão reguladas por tratados internacionais, mas chegaremos ao ponto em que a lei maior de uma nação deixará de ser sua Constituição e passará a ser o conjunto de Tratados Internacionais do qual é signatária.

O caso da proteção aos Direitos Humanos é um grande exemplo. Previstos originalmente em Tratados Internacionais, condicionam as leis criadas pelos países que lhes são signatários e prevêem sanções aos que os desrespeitam.

O mesmo caminho poderá ser trilhado para o combate aos crimes virtuais, tendo em vista que os mesmos podem ser praticados em um lugar e atingir vítimas em qualquer parte do globo terrestre, razão pela qual exige-se um auxílio-mútuo de todos os países.

Desse modo, se um Estado signatário levianamente se omitisse no combate aos crimes virtuais e permitisse que seus cidadãos violasseem direitos de pessoas residentes em outros países, é certo que a comunidade internacional lhe aplicaria as sanções previstas no referido tratado.

Assim, conclui-se que a internet apresenta direitos de ordem supranacional, como o caso do combate aos crimes virtuais, que relativiza o papel do Estado-Nação. Este passará a ser mínimo e universal, tendo em vista que seu principal objetivo é a busca do bem comum, expandindo-se a idéia de bem comum para aquela que pode ser aproveitada por todos os seres humanos e não só por uma pequena coletividade de indivíduos.

Ou seja, um país não pode, a pretexto de proporcionar vantagens aos seus cidadãos, causar prejuízos aos demais países.

Portanto, a internet e as novas tecnologias estão impondo a necessidade de se rever o conceito de Soberania, de forma a torná-lo mais próximo da realidade atual em que um Estado não é tão independente da comunidade internacional e sofre pressão dos seus súditos, que estão melhor e mais informados do que ocorre no mundo.

CONCLUSÃO

É nítido que perda de parte da Soberania dos Estados já vem acontecendo, uma vez que seus poderes de julgar sem serem julgados vem diminuindo, uma vez que devem dar satisfação não só à sua população, mas também aos demais Estados e aos organismos internacionais.

Há que se concluir, portanto, que a Internet, juntamente com a globalização, acabou por ser mais um fatos a subjulgar o velho conceito de Soberania, que precisa urgentemente ser revisto, de modo a deixar de seu um poder supremo dos Estados para ser um poder relativo, condicionado às normas definidas internacionalmente, buscando o bem-estar de todos de modo a garantiar maior confiabilidade à internet como meio de relacionamento, transações comerciais e desenvolvimento social.

E, para tanto, a melhor solução seria a criação de um tratado internacional que regulamentasse as relações havidas nos meios eletrônicos, em especial na internet, seja de forma pormenorizada ou, pelo menos, determinando de quem é a competência pela apreciação e julgamento dos conflitos nela ocorridos.

"Mauro Roberto Martins Junior"